SOBRE DITADORES E SUPERÁVITS COMERCIAIS!
(Paul Krugman - The New York Times/O Estado de S. Paulo, 24) Segundo nova pesquisa NBC News, os americanos agora consideram “ameaças à democracia” o problema mais importante que o país enfrenta, o que é tanto perturbador quanto um sinal bem-vindo de que as pessoas andam mais atentas. Também vale notar que não se trata apenas de um problema dos EUA. A democracia está se erodindo em todo o mundo – segundo a Economist Intelligence Unit, existem hoje 59 regimes totalmente autoritários por aí, abrigando 37% da população mundial.
Mas, desses 59 regimes, apenas 2 – China e Rússia – são poderosos o suficiente para representar desafios maiores para a ordem internacional. As duas nações são, evidentemente, muito diferentes. A China é uma superpotência autêntica, cuja economia superou, segundo algumas medidas, a dos
EUA. A Rússia é uma potência menor em termos econômicos, e os eventos ocorridos desde 24 de fevereiro sugerem que suas forças militares são menos poderosas do que a maioria dos observadores imaginava. Mas os russos possuem armas nucleares.
EXCEDENTES. Uma coisa que China e Rússia têm em comum é que administram enormes superávits comerciais. Esses excedentes são sinais de força? São provas de que autocracias funcionam? Não, em ambos os casos, são sinais de fraqueza. E a atual situação oferece um corretivo útil à noção comum – defendida, entre outros, por Donald Trump – de que um país que vende mais do que compra é “vencedor”.
Comecemos com a Rússia, cujo excedente comercial inflou desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. O que será que aconteceu? A resposta é que isso resulta, em grande medida, das sanções econômicas do Ocidente, que têm sido surpreendentemente eficazes – apesar de que não da maneira que muitos esperaram.
Quando a invasão começou, houve chamados generalizados
Há um problema peculiar das ditaduras – não se pode dizer ao líder que ele está errado
por embargos às exportações russas de petróleo e gás natural. Mas a Rússia conseguiu facilmente manter suas exportações de petróleo – o país está vendendo o insumo com desconto, mas os preços globais elevados resultam em bastante dinheiro entrando.
E, ainda que tenha havido uma acentuada queda nas exportações russas de gás natural para a Europa, isso é reflexo dos esforços do regime de Putin para colocar pressão sobre o Ocidente, não o contrário.
As sanções, por sua vez, minaram a capacidade de a Rússia importar, especialmente sua capacidade de comprar produtos cruciais para a indústria.
Portanto, o superávit comercial da Rússia é, na realidade, má notícia para Putin, um sinal de que seu país enfrenta problemas para conseguir usar o dinheiro que tem para comprar as mercadorias de que necessita para manter seu esforço de guerra.
O problema da China é diferente: seu superávit comercial é resultado de problemas internos antigos que podem, finalmente, estar tomando a frente. Observadores notam há muito que uma parte pequena demais da receita nacional chega ao público, tanto que o gasto da população em consumo tem permanecido baixo, apesar do rápido crescimento econômico.
Em vez disso, a nação tem mantido aproximadamente o pleno-emprego canalizando crédito barato para um investimento cada vez mais improdutivo, principalmente um mercado imobiliário habitacional inflado, sustentado pela sempre crescente dívida privada.
IMPORTAÇÕES. Neste momento, o mercado imobiliário habitacional chinês parece estar ruindo, e a demanda dos consumidores parece estar despencando. Esse fenômeno diminui o fluxo de importações – o que faz o superávit comercial aumentar. Repito, um excedente pode ser sinal de alguma fraqueza, em vez de força.
Outros dois pontos em relação à China: primeiro, sua economia também está sofrendo com a recusa do governo em revisar sua fracassada estratégia em relação à covid, dependendo de vacinas produzidas domesticamente, relativamente pouco eficazes, e impondo lockdowns draconianos para conter a pandemia. Segundo, sob as atuais condições, a fraca demanda chinesa é um trunfo para o restante do mundo. INFLAÇÃO. Dez anos atrás, a economia mundial sofria de uma demanda inadequada, e os superávits da China pioraram o problema ao sugar o poder de compra do restante do planeta. Hoje, porém, a economia mundial sofre de uma oferta inadequada, o que ocasionou inflação em muitos países.
Nesse contexto, a fraqueza chinesa é, na realidade, boa para todos os demais: a demanda chinesa em queda está colocando um limite sobre os preços do petróleo e de outras commodities, reduzindo a pressão inflacionária global.
Então o que podemos aprender com ditadores e superávits comerciais? Como afirmei, estamos diante de uma prova de que exportar mais do que importar não significa que você está vencendo – de maneiras distintas, os superávits de Rússia e China representam fracassos.
Em nível mais amplo, testemunhamos o problema peculiar das ditaduras, nas quais ninguém pode dizer ao líder que ele está errado. Putin parece ter invadido a Ucrânia porque todos estavam assustados demais para alertá-lo a respeito das limitações do poderio militar russo.
E a resposta da China contra a covid passou de modelo exemplar a alerta, porque ninguém ousa dizer a Xi Jinping que as políticas com a sua assinatura não estão funcionando. Portanto, a autocracia pode estar em marcha, mas não porque funciona melhor que a democracia. |
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