A
Demolição do Brasil
Por Marcelo
Zero
O governo Bolsonaro tem
uma noção extremamente superficial e distorcida de nacionalismo.
De um lado, veste-se de
verde-amarelo, proclama “Brasil acima de tudo” e quis até obrigar as crianças
cantar o hino nacional nas escolas. De outro, porém, dedica-se com afinco a
destruir o setor produtivo interno e a soberania nacional.
Na prática, em vez de
“Brasil acima de tudo”, o real lema político do governo é “EUA acima de tudo”.
De fato, em razão de uma
subserviência política e ideológica a Trump, o governo Bolsonaro vem tomando
uma série de iniciativas em política externa que estão causando prejuízos
sensíveis ao setor produtivo do Brasil, notadamente, mas não exclusivamente, à
agricultura nacional.
Por exemplo, o anúncio da
transferência da Embaixada do Brasil de Telavive para Jerusalém, mesmo ainda
não concretizada, já causou prejuízos diplomáticos e comerciais ao Brasil.
Transferir a embaixada
para Jerusalém significa assumir apoiar os interesses exclusivos do Estado de
Israel, em detrimento claro dos interesses do povo palestino. Significa tomar
lado numa disputa geopolítica sensível que envolve todo o mundo, direta ou
indiretamente.
Isso não convém aos
interesses objetivos do Brasil.
Exportamos US$ 11,6
bilhões para o Oriente Médio e US$ 13,5 bilhões para a Liga Árabe, em 2017.
Para Israel, exportamos somente US$ 466 milhões.
Esse grande mercado
consumidor árabe foi conquistado, diga-se de passagem, pelos governos do PT, e
é responsável por absorver boa parte das nossas exportações de alimentos,
principalmente de carnes.
Em razão dessa decisão
ideológica de Bolsonaro, subserviente a Trump, já sofremos uma retaliação da
Arábia Saudita, que cortou a importação de 33 frigoríficos brasileiros. Caso a
transferência da embaixada se confirme, nossas exportações de commodities,
principalmente de carnes, perderão clientes de grande peso.
A extinção das tarifas
antidumping que o Brasil impunha à importação de leite da UE e da Nova
Zelândia, por ordem do Ministério da Fazenda, é outra trapalhada que vai
provocar prejuízos de monta aos agricultores brasileiros.
O Brasil impôs essas
medidas antidumping, com o aval da OMC, porque o setor leiteiro recebe uma
montanha de subsídios governamentais na União Europeia e, em menor grau, na
Nova Zelândia.
Essas tarifas antidumping
eram de 3,9% para a Nova Zelândia e de 14,8% para a União Europeia. Ao se somar
essas tarifas compensatórias de dumping ao imposto de importação de 28%, a
alíquota total para se importar leite da Europa era de 42,8% e, para a Nova
Zelândia, de 31,9%.
Quando o Brasil impôs,
seguindo as regras da OMC, essas medidas antidumping às importações de leite, o
Brasil não tinha autossuficiência nessa produção, pois o leite europeu, dados
os imensos subsídios conferidos a essa produção na Europa, chegava aqui muito
barato, inviabilizando parcialmente a produção nacional.
Entretanto, graças, em
grande parte, a essas medidas antidumping, o Brasil tornou-se autossuficiente
em leite, nos anos subsequentes.
Agora, todo esse esforço
em prol da produção nacional poderá ser jogado por terra.
Com essa decisão
antinacional, corre-se o sério risco de o mercado brasileiro ser inundado com
leite em pó europeu subsidiado, o que inviabilizaria parte da produção
nacional, com o Brasil perdendo a sua recém conquistada autossuficiência na
produção leiteira.
Saliente-se que cerca e
60% da produção leiteira do Brasil vêm de pequenas propriedades. Nesse caso,
portanto, os mais afetados serão os agricultores familiares, que já estão
sofrendo com as restrições ao crédito.
Outra posição que deverá
pesar sobre os agricultores do Brasil tange à postura do governo Bolsonaro em
relação à China, tomada em virtude de pressão do governo Trump.
Como se sabe, os EUA
estão em guerra comercial com a China e vêm pressionando o Brasil para
combaterem a influência dos chineses na América Latina. Alinhando-se a essa
estratégia norte-americana de tentativa de restauração de uma perdida hegemonia
inconteste e absoluta e a Trump e sua guerra comercial, Bolsonaro, assim como
seu chanceler pré-iluminista, fizeram declarações contra a China, afetando
nossa participação no grupo do BRICS.
Ora, a China é nosso primeiro
parceiro comercial e o maior importador de nossa produção agrícola de
exportação. Em 2017, exportamos para lá US$ 47 bilhões, com um superávit a
nosso favor de US$ 20 bilhões. Em contraste, exportamos apenas US$ 26,8 bilhões
para os EUA, com um superávit a favor do Brasil de somente US$ 2 bilhões, dez
vezes menor que o obtido com a China. Saliente-se que, em 2018, nossas
exportações para a China, estimuladas pelas compras de soja, foram de quase US$
67 bilhões, sendo que as exportações para os EUA foram de apenas US$ 28
bilhões.
Fonte
MDIC. Elaboração própria
No que tange às
exportações agrícolas do Brasil, a China, sozinha, absorve cerca de 37% do
total. Em relação aos EUA, a China importa 4 vezes mais alimentos brasileiros.
Ironicamente, a China e
os EUA estão prestes a fechar um acordo comercial, para pôr fim a sua disputa,
pelo qual a China se comprometeria a importar mais produtos agrícolas dos EUA,
como soja e carnes, de forma a reduzir o superávit que hoje tem com os EUA. No
tocante à soja, o Secretário de Agricultura dos EUA, afirmou, em seu twitter,
que os chineses teriam se comprometido a importar mais 10 milhões de toneladas
dos EUA, neste ano.
Esse compromisso
implicará a substituição de produtos brasileiros por produtos norte-americanos
no mercado chinês de alimentos, o mais volumoso e dinâmico do mundo,
responsável pela absorção da maior parte de nossas exportações agrícolas.
Observe-se que 80% das nossas exportações de soja vão para a China.
Fonte: Ministério da Agricultura. Elaboração própria |
A China importa cerca de
65%, quase dois terços, da soja comercializada no mercado internacional. Desse
total, o Brasil supre 45%, os EUA 39% e a Argentina 13%. A tendência, agora, é
que os EUA, nosso grande concorrente no mercado chinês, se tornem o primeiro
fornecedor de soja para a China.
Não bastasse, a União
Europeia, também pressionada pelos EUA e insatisfeita com as negociações com o
Mercosul, também anunciou que passará a importar mais carne bovina dos EUA.
E o dano não para por aí.
Bolsonaro e seu novo chanceler, emulando seu ídolo Trump, resolveram brigar com
todo o movimento ambientalista mundial, pois questionam abertamente o caráter
antropogênico do efeito-estufa.
Assim, por decisão do
governo eleito, o Brasil voltou atrás em sua decisão de sediar a COP-25. O
capitão prometeu até retirar o Brasil do Acordo de Paris, compromisso
internacional de extrema relevância para o combate mundial ao efeito-estufa. Já
o chanceler inquisitorial diagnosticou que o aquecimento global é mera
ideologia inspirada no “marxismo cultural”. Mereceu artigos jocosos na imprensa
internacional.
Como consequência, Macron
anunciou que, caso o Brasil mantenha tal decisão, o Acordo Mercosul/UE não será
concluído. A referida decisão da UE de deixar de importar carne bovina do
Brasil tem relação direta com essa nova postura antiambientalista do Brasil.
Assim sendo, o quadro que
o governo Bolsonaro está criando para o agronegócio brasileiro é desastroso.
Estamos perdendo todos os grandes mercados para nossos produtos alimentares.
Mas não é apenas o setor
agropecuário que sofre com as trapalhadas ideológicas da política externa de
Bolsonaro. A nossa indústria também.
As declarações do
“superministro” Paulo Guedes e da ministra da Agricultura contra o Mercosul e a
integração regional de um modo geral podem vir a comprometer seriamente os
interesses da nossa indústria de transformação. De fato, o Mercosul e a
integração regional asseguram ao Brasil um grande mercado cativo,
particularmente para nossos produtos manufaturados, que não são competitivos em
outros mercados. Cerca de 90% do que exportamos para o Mercosul são produtos
manufaturados, de alto valor agregado, como carros, caminhões, máquinas,
celulares, geladeiras etc.
A patética armada
Bolsoleone não tem a menor ideia da posição do Brasil no mundo. Acha que o centro
do planeta são os EUA de Trump. Ora, os EUA, mesmo ainda sendo a primeira
economia mundial e um parceiro relevante para nosso país, já não têm mais a
centralidade que tinham para a economia do Brasil.
Como se vê no gráfico
acima, os EUA tiveram, nos últimos 10 anos, relevância comercial menor que
outras regiões e países, como China, União Europeia, América Latina e América
do Sul. A bem da verdade, a relevância dos EUA para o nosso comércio é
equivalente à relevância do Mercosul, tão desprezado por nossos conservadores,
como Paulo Guedes. Eles desconhecem totalmente as profundas mudanças
geoeconômicas que se processaram no planeta, neste século.
Diga-se de passagem, o
superministro, um ultraneoliberal oriundo da Escola de Chicago, pretende abrir
a economia de forma brutal e intempestiva.
Uma medida a ser
implementada tange à revisão das tarifas consolidadas que o Brasil tem na OMC.
As tarifas consolidadas
são aquelas tarifas que os países inserem na OMC como suas tarifas máximas de
importação, aquelas que eles consideram necessárias para a proteção dos seus
diversos setores produtivos. No caso do Brasil, tais tarifas situam-se em torno
de 35%.
Pois bem, a equipe
econômica pretende rever tais tarifas, com redução sensível de seu teto. Embora
ainda não se saiba exatamente o montante de tal redução e quais os setores que
seriam afetados, o objetivo é blindar,
na OMC, a opção neoliberal da abertura acrítica da economia, tão cara ao novo
tzar da economia, Paulo Guedes.
Uma vez inseridas, essas
novas tarifas reduzidas na OMC dificilmente elas seriam revertidas, o que
imporia aos próximos governos obstáculos de monta para a prática de políticas
comerciais mais protetivas, bem como empecilhos praticamente intransponíveis para
políticas de industrialização, o que aceleraria o processo desindustrialização
que hoje afeta o Brasil.
Hoje
mesmo (28/02/2019), o Ministério da Economia, mediante duas portarias, reduziu
a zero as alíquotas de importação, até 31 de dezembro de 2020, de cerca de 600
produtos de informática e bens de capital. Entre eles, estão impressoras,
certos tipos de tablets, servidores de informática, autoclaves, motores de
diversos tipos, combustores, fornos, bombas de vácuo, panelas, centrífugas,
paletizadores, máquinas de ensacamento, máquinas agrícolas de pulverização,
aspersores, empilhadeiras, tratores, perfuratrizes, máquinas de costura,
máquinas têxteis, centros de usinagem, fresadoras, prensas hidráulicas,
trilhos, trituradoras, etc., etc., etc. A lista é interminável. O dano à nossa
indústria também.
Mesmo que haja algum
ganho para outros setores econômicos da indústria, que pretendam comprar bens
de capital agora, nessa recessão, esse setor específico não terá nenhum
incentivo para produzir localmente.
No ano passado, nossa
indústria permaneceu praticamente estagnada (0,6%).
Obviamente, a combinação
dessas trapalhadas em política externa com essa política suicida de abertura
incondicional da economia implodirá o setor produtivo nacional, já gravemente
afetado pela recessão e a austeridade eternizada pela Emenda Constitucional nº
95.
Não bastasse, a contração
do crédito, a fragilização do BNDES, nosso único grande banco de investimentos,
bem como dos demais bancos públicos, e o fim da política de conteúdo local da
Petrobras, entre muitas outras medidas destruidoras, contribuirão também para a
configuração de uma tempestade
perfeita que poderá demolir a economia nacional e o Brasil soberano.
Teremos de fazer
“arminha” com mãos importadas. E nossa bandeira e nosso hino, mesmo que
memorizados à força por nossas crianças, não terão mais qualquer significado.
Restará, apenas, a eterna
vergonha de ter de bater continência para os EUA.
*É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.
Publicado originalmente em: https://www.brasil247.com/pt/colunistas/marcelozero/385405/A-demoli%C3%A7%C3%A3o-do-Brasil.htm
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